O pesquisador Celso Vasconcellos, diretor do Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica e doutor em Didática pela USP, esteve no Campus Maracanã para ministrar a palestra “(In)disciplina: a questão do interesse e da mobilização – desafios e perspectivas contemporâneas”, durante a Semana Pedagógica 2013 e 1º Seminário Pedagógico.
Celso Vasconcellos é autor dos livros Disciplina: Construção da Disciplina Consciente e Interativa em Sala de Aula e na Escola; Para Onde Vai o Professor - resgate do professor como sujeito de transformação; e Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente, entre outros. Confira a seguir a entrevista que o educador concedeu à Rádio Maracanã (do IFMA-Campus Maracanã).
Maracanã: Professor, na palestra, foi marcante sua defesa pela necessidade de os professores estabelecerem um bom relacionamento com os alunos. Por que isso?
Vasconcellos: Todo o processo educativo, a partir do elemento mais básico, que é a construção do conhecimento, é fundamentalmente estabelecer relações entre as representações mentais prévias e os elementos novos que vão surgindo nesse processo. Então, a dinâmica básica mais elementar é o estabelecimento de relações entre representações, portanto, a dimensão cognitiva. Nós sabemos que o cognitivo não funciona desvinculado do afetivo. Desse modo, tudo aquilo que pudermos criar em termos de vínculos e relações afetivas, de alguma forma, acaba ajudando no processo cognitivo. O fato, por exemplo, de o aluno gostar do professor não o leva a dominar melhor os fundamentos do cálculo, mas o fato de o aluno gostar do professor favorece a aproximação dele com os elementos de cálculo que o professor está oferecendo; ao colocar a sua atenção sobre o objeto pode despertar nele a contradição, o desejo de conhecer e, então, esse vínculo com o professor acaba favorecendo o relacionamento dele com o objeto do conhecimento, com o conteúdo que o professor quer de fato ensinar.
Maracanã: Isso se aplica também aos vínculos afetivos com a instituição?
Vasconcellos: O fato de o aluno gostar da instituição também contribui. Digamos que ele tem uma rádio na instituição, onde ele pode participar, pode se expressar; ele tem um jornal; ele tem a possibilidade de frequentar o esporte. Essa simpatia, que gera vínculo de aproximação com a instituição, de alguma forma, acaba favorecendo o vínculo na sala de aula, com os professores, com os colegas e com o objeto de conhecimento. Com tudo o que pudermos fazer para aproximar, para criar vínculo, estamos ajudando que a escola, a instituição, a universidade venha a cumprir sua função social.
Maracanã: Os vínculos ajudam, inclusive, a reverter momentos de crise, de indisciplina, situação que tem gerado angústia em professores do nosso campus?
Vasconcellos: É importante lembrar que esse é um problema geral. A disciplina é um problema que no mundo todo se discute, em função do contexto que estamos vivendo, da hiper, da pós-modernidade líquidas, toda essa geleia geral que estamos vivendo aí, em termos mundiais. De fato, o que sabemos é que se você vai criando no cotidiano essas relações, esses vínculos, no momento de uma eventual crise, no momento de um incidente crítico, fica muito mais fácil você enfrentar com essa base, especialmente se a autoridade do professor, que é fundamental no processo educativo, é legitimada pelos alunos. Então, no momento em que o professor precisa ser mais duro com o aluno, que, às vezes, extrapola e perde um pouco a referência, se ele tem o respaldo do grupo, é muito mais fácil, porque os alunos vão entender a intervenção do professor. Se ele não tem esse respaldo, é a hora em que o grupo se revolta e volta-se tudo contra ele; fica aquele clima de guerra. Então, por isso que a construção desses vínculos na sala de aula é fundamental.
Maracanã: Como o professor pode construir esses vínculos?
Vasconcellos: Isso vai demandar um conhecimento geral da turma e o aprofundamento de um ou outro vínculo mais específico, de acordo com alguma dificuldade na aprendizagem ou de disciplina. O elemento importante é trabalhar logo no começo, de não deixar acumular. Esse é um princípio básico. Tinha um aluno que não estava aprendendo; se ele não estava aprendendo, começa a não se interessar e surge o problema da indisciplina. Ele contagia mais um. Esse que foi contagiado vai começar a ter problema de indisciplina e vai começar a não aprender. Você começou tendo um aluno com problemas de aprendizagem; já está com dois com problema de aprendizagem e disciplina. Esses dois contagiam mais dois. Agora são quatro. Desses quatro, mais quatro. Essa coisa vai crescendo. Por isso, é importante, logo no começo, o professor investir tempo, para trabalhar essas relações e não deixar o problema acumular.
Maracanã: Para isso, o professor precisa prestar atenção aos alunos?
Vasconcellos: Esse é outro ponto básico. Os professores querem que os alunos prestem atenção neles, o que é perfeitamente legítimo, mas para isso é fundamental que os professores prestem atenção nos alunos, levem a sério os alunos. Quem de nós não quer dar certo nessa vida? Todo mundo está querendo dar certo nesta vida. O aluno também, do jeito dele. Mas, muitas vezes, não está encontrando a forma, o caminho. Então, cabe ao professor, que é profissional e o adulto da relação, ajudar nesse processo; ajudar o aluno a discernir as suas emoções, os seus impulsos, aquilo que está se dando naquele momento. Isso ele só pode de fato fazer se estiver ali, inteiro; fazer aquele mergulho. É muito difícil, nós sabemos. Na sociedade do conhecimento, todo mundo está com pressa e quer estar em outro lugar. Eu estou aqui, mas o quente mesmo está acontecendo em outro lugar. Quando eu chego a outro lugar, o quente mesmo está em outro. Então, eu nunca estou onde deveria estar. Se você tiver uma situação em que o aluno estiver assim, você até compreende, porque é um ser em formação; mas se o professor estiver assim, se ele não presta atenção no aluno, vai ser difícil, realmente, criar esses vínculos significativos.
Maracanã: A falta de clareza de que o professor precisa ter atenção aos alunos seria um problema de formação?
Vasconcellos: É claro que temos problemas de estrutura, mas uma questão básica é a formação. A formação do professor é bastante frágil, de um modo geral, mesmo de quem passou por cursos de Pedagogia. Temos uma tradição muito forte, pela qual quase todos nós passamos, que é aquilo que eu chamo de Imprinting escolar. É aquela estampagem que a escola faz logo no começo do fundamental, onde acaba o lúdico, acaba a rodinha, o grupo; e passa a ser um aluno atrás do outro e o professor falando, falando, e o aluno ouvindo. Esse modelo é levado como o modelo do ser professor. Na verdade, esse é um modelo de ser instrucionista e não mediador. Muitos não percebem isso, de tal forma que, mais tarde, acham que não precisam de formação, porque já têm; já aprenderam isso na própria escola. Esse é um elemento bastante delicado. Ser professor é muito mais do que isso. A profissão do professor, a meu ver, é uma das mais complexas do ser humano. Por isso, o professor deve ser muito valorizado, bem remunerado e muito bem formado. Entendo que é preciso uma sensibilidade. Não adianta oferecer cursos de formação, se não há essa disponibilidade interior. Temos trabalhado muito a questão do desejo, da humildade pedagógica, que Paulo Freire insistia tanto. O desejo de ser mais e alimentar isso no fundo do nosso coração. É exatamente isso que queremos despertar nos nossos alunos, quando a gente fala de mobilização. Como vou provocar no meu aluno o desejo de aprender se eu mesmo não estou vivenciando esse desejo de aprender? É essa dinâmica que gostaríamos de ver bastante fortalecida na sala de aula.
Maracanã: como fica o papel do aluno no cenário de aprendizagem?
Vasconcellos: Entendo que o aluno, sobretudo o jovem, o adulto, mas isso também vale para criança, precisa desenvolver mais a autonomia. Não é à toa que a última obra publicada por Paulo Freire em vida foi Pedagogia da Autonomia. A primeira grande obra dele foi Educação enquanto Prática da Liberdade, antes até do que a Pedagogia do Oprimido. Então, que os alunos desenvolvam essa autonomia. Percebemos muitas vezes os alunos em uma postura passiva, esperando ser motivado pelo professor e pelo outro. E há toda uma mídia que favorece isso. Qualquer relação com Big Brother não é mera coincidência. Esse processo de imbecilização que vivemos, que acaba forjando uma sensibilidade, leva as pessoas a esperarem que um palhaço, ou algo muito extraordinário, as motivem. Ao contrário. Nós devemos ser os autores da nossa vida, buscando essa autonomia. Ver aquilo que me interessa ou porque não me interessa. O aluno tem esse mecanismo e isso dá uma energia muito grande. A maior satisfação do professor é quando ele chega numa sala de aula e encontra alunos que estão buscando também aquilo que ele se dedicou a vida toda.
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Bom saber!!!
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