1 de jan. de 2025

Feliz 2025 - Ferreira Gullar: "Ano Novo"

Ano Novo - Ferreira Gullar


Meia noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.


Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso silêncio

da Via-Láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça:

nada ali indica

que um ano novo começa.


E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.


Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver:

que isso é coisa de homem

esse bicho

estelar

que sonha

(e luta)


((GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1997.))

31 de dez. de 2024

Feliz 2025! - Balanceiro – Juliana Linhares

"Eu não posso mudar o mundo,
mas eu balanço
Mas eu balanço o mundo."
BALANCEIRO
(Juliana Linhares, Khrystal, Moyseis Marques e Sami Tarik)

Eu não posso mudar o mundo
Mas eu balanço 
Mas eu balanço 
Mas eu balanço o mundo

Balanço só por balançar 
Balanço às vezes por querer
Balanço só pra me amostrar
Balanço pra sobreviver

Botei tudo na balança, amor
Tô fechado pra balanço 
Desde os tempos de criança 
Só ponho a mão onde eu alcanço

Eu não posso mudar o mundo
Mas eu balanço 
Mas eu balanço 
Mas eu balanço o mundo

Balanço pra te acompanhar 
Na rede só eu e você 
Sem hora pra se acordar
E se você não vacilar
Vou balançar até morrer

Eu não posso mudar o mundo
Mas eu balanço 
Mas eu balanço 
Mas eu balanço o mundo

Balanço pra te acompanhar 
Na rede só eu e você 
Sem hora pra se acordar
E se você não vacilar
Vou balançar até morrer

Eu não posso mudar o mundo
Mas eu balanço 
Mas eu balanço 
Mas eu balanço o mundo.

Feliz 2025! Esperança-Mário Quintana


Feliz 2025! - O Ouro e a Madeira - Ederaldo Gentil

"O Ouro afunda no mar
Madeira fica por cima
Ostra nasce do lodo
Gerando pérolas finas"
O Ouro e a Madeira
Ederaldo Gentil

Não queria ser o mar
Me bastava a fonte
Muito menos ser a rosa
Simplesmente o espinho
Não queria ser caminho
Porém o atalho
Muito menos ser a chuva
Apenas o orvalho
Não queria ser o dia
Só a alvorada
Muito menos ser o campo
Me bastava o grão
Não queria ser a vida
Porém o momento
Muito menos ser concerto
Apenas a canção
O Ouro afunda no mar
Madeira fica por cima
Ostra nasce do lodo
Gerando pérolas finas

25 de dez. de 2024

Conto de Natal - Arthur Azevedo

 Conto de Natal - Arthur Azevedo

I

Das janelas da sala de jantar dos barões de Santa Bárbara, nas Laranjeiras, via-se o interior da miserável casinha onde morava o Alexandre, pobre diabo desempregado e enfermo, vivendo de expedientes confessáveis, carregando a vida com um esforço quase sobre-humano.


Fosse ele sozinho, e tudo iria pelo melhor; mas era casado, e lhe nascera um filhinho nas proximidades daquele Natal de 1871. Vir ao mundo uma criança, pelo Natal, numa casa sem pão nem conforto, é uma dessas ironias da sorte, que só se toleram à força de filosofia. O Alexandre era filósofo.


Os barões de Santa Bárbara, que possuíam grandes cabedais, desejavam ter filhos e não os tinham. É sempre assim. A baronesa, das janelas da sala de jantar, olhava com inveja para a mulher do Alexandre. A mulher do Alexandre era pobre, paupérrima, quase indigente, mas tinha o prazer e o orgulho de amamentar um filho!


***


Na véspera daquele Natal de 1871, os barões de Santa Bárbara, enquanto esperavam o almoço debruçavam-se à janela, e viram no interior de um quarto, na casinha do Alexandre, o recém-nascido deitado numa caixa de batatas, envolvido em trapos.


O barão que não era insensível às misérias do próximo, encheu-se de piedade, tanto mais que, pela coincidência do dia em que o acaso lhe deparava tão lastimoso espetáculo, parecia-lhe o próprio Menino Jesus que ali estava deitado naqueles trapos, mas um Menino Jesus desprezado pelos Reis Magos e pastores, um Menino Jesus com alfazema, talvez, mas sem incenso nem mirra.


Sabia o barão que a baronesa era muito egoísta: não gostava de praticar o bem nem mesmo por ostentação; foi, por isso, com certo receio que lhe propôs enviarem algum socorro aos vizinhos pobres; quando mais não fosse, umas roupinhas para o bebê.


― Estás doido! respondeu ela. Nunca mais nos largariam a porta!


― Mas não era preciso que soubessem de onde partia o benefício; a nossa esmola seria anônima...


― Qual! deixa-te dessas ideias! Eles precisam, é certo, mas há quem precise ainda mais, e não seria justo socorrer somente a estes, quando não podemos acudir aos outros! Por que esse exclusivismo? E depois, tu sabes lá que espécie de gente é essa? Tu sabes se empregaríamos bem a nossa caridade? Deixa-te dessas ideias, homem de Deus, e vamos almoçar, que a mayonnaise está na mesa.


Comemoram ambos o almoço triste dos esposos que pensam diversamente um do outro, sem filhos que atenuem o que possa ter de inconveniente e dolorosa a divergência de sentimentos e impressões.


Inteligente e sensato, o barão não contrariava a baronesa, embora no íntimo lhe detestasse o caráter, e não perdoasse tanto egoísmo numa criatura que lhe trouxera, quando se casou com ele apenas a roupa do corpo e o próprio corpo. Fazia-lhe todas as vontades.


Foi assim que comprada aquele título ridículo de barão de Santa Bárbara, nome da fazenda onde ele nascera, e era propriedade sua, na província do Rio.


Todas o tinham em conta de um marido domado pela mulher, quando o que o dominava era apenas o desejo de viver com ela em aparente harmonia, sem dar aos criados, nem aos vizinhos, nem a si mesmo o espetáculo mofino de um casal desunido.


O barão saiu logo depois do almoço e foi a carro para o seu escritório da rua de São Bento.


Como a lembrança do pobre pequenino, deitado no caixão de batatas, o perseguisse com a insistência de um remorso, ele chamou em particular um empregado de confiança, incumbiu-o de comprar um berço, um enxoval completo de recém-nascido, peças de morim e de chita, latas de leite condensado, vidros de geleia, garrafas de vinho do Porto, etc., e mandas tudo, e mais algum dinheiro, à casa do Alexandre, sem que ninguém soubesse nem suspeitasse a proveniência desse presente.


O empregado cumpriu irrepreensivelmente as ordens do patrão, e foi com uma surpresa, manifestadas por frases impertinentes, que a baronesa viu, à tardinha, o caixão de batatas substituído por um berço de vime e os andrajos por boa roupa.


― Vês? disse ela ao barão. Faríamos asneira se lhes mandássemos alguma coisa: não lhes falta nada!


Pouco tempo depois, a família do Alexandre mudou de residência, e os barões de Santa Bárbara nunca mais tiveram notícia dela.


II


Passaram-se muitos anos, que correram prósperos para o barão, grande plantador de café; mas a lei de 13 de Maio surpreendeu-o, como a tantos outros agricultores imprevidentes, e a sua fortuna sofreu grandes revezes.


Depois de proclamada a República, ele atirou-se às especulações da Bolsa; ficou milionário durante a necrose do Encilhamento, e encontrou os seus milhões representados em ações de bancos e companhia que não valiam mais nada, e cuja liquidação foi a ruína completa. Nada, absolutamente nada lhe deixaram!...


Nesse doloroso transe, o infeliz titular não ouviu da esposa uma única pólvora de consolação ou de esperança que o animasse; pelo contrário: a baronesa desfazia-se em exprobrações e invectivas, e isto concorreu, naturalmente, para desesperá-lo.


O mísero tinha resolvido suicidar-se, quando uma congestão pulmonar o livrou de cometer esse pecado.


***


Morto o barão, a baronesa, sexagenária e enferma, ficou reduzida à miséria. Os amigos e parentes do marido tinham já se evaporado há muito tempo, e nenhum simpatizava com ela.


A desgraçada ia ser posta na rua por um senhorio implacável, e, para não morrer à fome, estava resolvida a pedir que a mandassem para um asilo, quando foi procurada por um belo rapaz de vinte e cinco anos, pouco mais ou menos, que lhe disse:


― Sra. Baronesa, conheço v.ex., estou ao corrente de todas as desgraças que lhe sucederam, venho pedir-lhe que aceite um lugar em nossa casa.


― Mas quem é o senhor?


― Sou aquela criança que, na véspera do Natal, em 1871, nas Laranjeira, dormia num caixão de batatas, e a quem v.ex. socorreu, mandando-lhe um berço, roupinhas e leite. Bem vê v.ex. que não faço mais do que pagar uma dívida de gratidão.


― Mas não me lembra... não fui eu que...


― O empregado que se encarregou de fazer com que essa delicada esmola chegasse ao seu destino, não foi tão discreto como lhe recomendaram. Ele disse a meu pai, confidencialmente, que a esmola era do falecido Sr. Barão, mas minha mãe acudiu logo: ― Não! a lembrança é da baronesa! Só as mulheres são capazes destes melindres do coração!


A baronesa não confirmou nem desmentiu.


― Há vinte e cinco anos, continuou o rapaz, o nome de v.ex. é repetido naquela casa como o de uma santa! Venha, sra. baronesa! Meu pai é morto, mas eu ganho o suficiente para sustentar duas mães...


Uma hora depois, a baronesa de Santa Bárbara estava muito bem alojada na casa dos seus protetores.FIM



Fonte:https://www.vozdaliteratura.com/post/arthur-azevedo-conto-de-natal