14 de out. de 2011

VIVAS AO MESTRE!

Hoje, aniversário do imortal homem de teatro Ubiratan Teixeira. Daqui todo meu afeto, e respeito a este grande intelectual maranhense. E, a propósito, transcrevo uma sua cronica recente (publicada no caderno Alternativo de O Estado do Maranhão em 23/09/11)


Se for macho, faz

Por Ubiratan Teixeira


Encontrei-me casualmente, dias destes, com esse poeta dos metais nobres que é Vidotti: escultor de raro talento anunciou-me que está testando sucata de eletro/eletrônicos e já fico imaginando o que não iremos ter de preciosidade estética dentro de pouco tempo.

Estávamos no Mercado Central e paramos para o racional dedo de prosa; e como não poderia ser diferente o papo teve o rumo inevitável diante do caos em que vivemos na São Luís quatrocentona: não só os casarões do centro histórico se diluindo como a cultura maranhense em todos os seus segmentos descendo pelo ralo e sem direito a missa de réquiem.

Ele, como artista plástico, pranteando o fechamento dos grandes salões de arte, lembrando os saudáveis momentos em que pintores, gravadores, desenhistas e escultores se encontravam em grupo para exibirem e discutirem sua produção artística; eu como testemunho de nossa história, recordando os concursos literários, os excelentes projetos de editoração de obras, os saraus de música e literatura, os bons espetáculos de teatro local.

Ele fremiu (fremiu é bom; raro no meu texto, mas surgiu de inopino e achei conveniente usá-lo) de entusiasmo quando lhe falei da idéia que andei passando para personalidades de alta influência nos corredores do Poder para a comemoração da passagem desses 400 anos de fundação da cidade, que no meu entender não deve ficar restrito a um punhado de bandeirolas espalhadas pelos becos da cidade e um desfile carnavalesco sem tutano; mas escancarar os prédios que estão ruindo, higienizá-los e neles instalar exposições de pintura, oficinas de arte, centros de estudos, um casarão para Vidoti, outro para Fernando P., um prédio inteiro para Geraldo Reis, outro lá adiante para Airton Marinho, Athaíde, Fernando Mendonça, Cosme Martins, Dila, Fransoufer, Zé de Jesus, Péricles Rocha, Marlene, Babula, Rosilan, todos, que nossa expressão artística tem volume e visibilidade planetária. Pedir a colaboração dos grandes colecionadores de Arte local e abrir exposições do acervo Zelinda/Carlos Lima, Arthur Ázar, Clóris Garrido, Henrique Augusto Moreira Lima, Eliézer Moreira, acervos de alto nível que falam com propriedade da história de nossas artes plásticas não esquecendo essa preciosidade universal que é a coleção de gravuras, doação de Arthur Azevedo ao governo do Maranhão e que em governos passados já chegaram a ser usadas como papel de embrulho – só não tendo sido usado como papel higiênico por causa de sua consistência inadequada para o ato: tudo acompanhado de um consistente catálogo.

— Você não está sonhando, jornalista, interrompeu-me o artista, em êxtase.

— Estou. Claro que estou! Mas sonhar é um direito que ainda nos resta. Que seria muito bom para uma comunidade que está sobrevivendo a pão e água, ninguém ponha dúvida!

E de repente, dali de onde estávamos, entre tabuleiros de frutas, legumes e verduras, montras de cereais, ganchos de carnes de todos os tipos, olhamos em direção onde foi o SIOGE e pensamos a mesma coisa: “Por onde andará o riquíssimo acervo de artes plásticas acumulado durante décadas pela instituição? E o do extinto Banco do Estado, que cobria integralmente as paredes dos 10 andares do prédio?”

Escutei e vi dias passados um canal de televisão noticiando a mobilização da polícia italiana para localizar um vândalo que houvera danificado o nariz de uma figura de pedra, numa fonte pública na cidade de Roma. E ninguém ouse me dizer que a aba daquele nariz tenha mais valor artístico que as obras de Pedro Paiva, J. Figueiredo, Cadmo Silva, Rosa Waquim, Floriano Teixeira, Ambrósio Amorim, Telésforo de Morais Rego.

Mas o diabo atenta; e olha, que atenta! Só de sacanagem colocou Gastão Vieira, justamente agora, numa pasta que é provocação pura. Gastão tem pudor, zelo pela coisa pública, capacidade técnica e honestidade genética. E todos sabem que doutor Gastão foi entronizado no Turismo atravessado no gorgomilo de muitos políticos sulistas que se acham com o direito de reivindicar para suas unidades federadas o privilégio de sítios turísticos acima de qualquer outros, incluindo-se nesse rol dos contrariados o governador do Rio de Janeiro. O Rio, de fato, tem categoria; tem um relevo que deslumbra muquiranas de outros hemisférios, um colorido saudável, um povo esteticamente bem dotado e no momento um seleto punhado de marginais de alto escopo. Salvador tem o axé, Belo Horizonte o pão de queijo. O nordeste a rapadura e uma saudável faixa de praias confortáveis; que se comparadas ao Araçagi perdem de mil a zero.

Alguém, no Maranhão, já visitou as quedas d’água em Carolina com olhar de investidor? Alguém já foi assistir ao “Pela – Porco” em São Simão, interior de Rosário com intenção de transformar essa manifestação cultural numa atração turística? Quem conhece as cavernas no município de Grajaú, que segundo arqueólogos renomados serviram de passagem aos Incas quando vinham dos Andes em direção ao Atlântico? Alguém olhou para o lago de Viana com intenção de transformar aquela lâmina de mururu numa alta fonte de renda? Em que lugar deste país se encontra algo mais suculento do que o bacuri, a juçara, o murici e o cupu-açu? A culinária maranhense é única e sem igual no mundo inteiro que o digam os que já provaram da torta de camarão piticaia, a caldeirada do sete barbas ou um guisado de sururu no leite de coco! Em que item essa carnavalização banal e bufa do boi-bumbá cometido em Parintins chega ao nível cultural de todos os nossos “sotaques”? Mas os “investidores” amazonenses olharam em que montanha de cifrões aquela meleca colorida e zuadenta poderia se transformar e lá estão entulhando suas burras.

Temos tudo para ser o paraíso do turismo – em todos os níveis: as praias mais saudáveis do planeta, rios de líricos percursos (um passeio programado pelo delta do Parnaíba é um orgasmo perfeito), lagos de boas origens, escarpas para práticas esportivas sem similares, campos, cavernas e inclusive lendas de fino trato; várias e variadas. Que outro povo tem uma lenda com a riqueza da de D. Sebastião? Que outra ilha deste planeta dispõe em seus subterrâneos de uma serpente guardiã? Qual outro povo deste continente tem um imaginário popular de raro sotaque, uma música folclórica, popular e erudita de excelente textura, o povo culturalmente mais bem resolvido do continente e uma cozinha, repito, sem similar: para deixar qualquer glutão sem fôlego?

É claro que não será um ministro de Estado, pressionado de todos os lados, que de repente vá num passe de mágica transformar esta cumbuca cultural num paraíso turístico: principalmente quando colocado à frente da Pasta com a missão prioritária de fazer a Copa do Mundo, mesmo que grande parte dos recursos já tenham sido dissolvidos bem sabemos como.

Evidente que, para que nos transformemos num paraíso turístico dependeremos antes de qualquer ação material, de raras posturas morais e cidadãs, além de uma sábia reflexão política; que desapareçam então, para tanto, como num passe de mágica todas essas fosquinhas provincianas de um P de bosta viver amuado com o militante de outra cor partidária – que o Maranhão passe de repente a ser uma única e excepcional sigla: MA-RA-NHÃO – não de maranha, mas de mar unido. Existirá algum maranhense de culhão roxo nas casas legislativas deste pedaço de país para voltar a bradar o “independência” nativo necessário para que o milagre aconteça? E não é preciso ser nenhum Pedro, Bonaparte ou Nabucodonosor para promover o ato; precisaremos, sim, apenas de saber usar com racionalidade a taboa de logaritmos – e ter a compostura administrativa que teve Dr. Luís Fernando à frente da prefeitura de São José de Ribamar, transformando aquela tradicional arapuca econômica num primor de município.

É claro que para nos transformarmos no paraíso turístico precisamos de boas, longas e excelentes rodovias, confortáveis, seguros e estratégicos aeroportos, uma rede hoteleira de alto nível (quando falo alto nível não estou falando em luxo; mas em conforto), serviços de água, esgoto, luz e comunicação civilizados, um sistema de saúde sem seqüelas e, sobretudo, claro, mão de obra de nível internacional.

Se seu nome já virou debique nacional, servindo inclusive de motejo permanente para uma gaiata da Globo News que vive tirando sarro da cara de Sarney, vamos gastar, Dr. GASTÃO; não é a fosquinha da vez que escutamos a todo instante de “o que é que pode se esperar de alguém com o nome de gastão?” Gastemos, então!

Faça a Copa deles; mas emboneque a nossa copa e engrinalde nossa cozinha.

É claro que para isso acontecer temos que racionalizar nossas atitudes, olharmos um projeto dessa magnitude como algo prioritário para o enriquecimento de nosso Estado. Em princípio temos que acabar com essas arrelias de fundo de quintal repito, essas quizilas de ponta de rua, que num mutirão desse porte e nível ninguém é melhor do que ninguém.

Impossível de realizar um projeto dessa envergadura? Pergunte a Juscelino como ele fez! Se Juscelino não puder responder Neiva Moreira, que levou de avião tijolo por tijolo do Rio de Janeiro para o Planalto Central ainda está aí; capaz de contar como foi. Outro que ainda se lembra é Niemayer; ou Dona Cotinha Boleira, que foi vendar cuscuz e bolo frito pra candango em Brasília e voltou depois de 61 para seu ramerrão na feira do Matadouro pronta para dizer o que viu.

Querendo fazer, faz. Tem quem queira ajudar sem cobrar royalty: no Brasil e fora dele. Sabe-se, por exemplo, nesta cidade, de uma ONG européia interessada em recuperar todo o centro histórico de São Luís, sem nenhum ônus para o Estado: em troca só pede que lhe dêem três dos prédios – mas tem neguinho amuado pelos corredores de Palácio batendo o pé e zurrando que não, não, e não! É comportamento desse teor que temos de jogar na lixeira de nossa irracionalidade. E chamar as Universidades para um mutirão sem fronteiras, o SESC e o SENAC, as entidades de classe, o Exército, a Marinha, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, Aeronáutica, Ministério Público, OAB, o Maranhão maranhense.

Dr. Gastão; este Estado já foi capital do país e centro de cultura do continente.

Quem foi rei nunca deixa de ser majestade.

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