9 de mar. de 2012

E meus quatrocentos anos? - crônica de Ubiratan Teixeira




E meus quatrocentos anos?*
Ubiratan Teixeira



Dias destes o acaso reuniu um grupo de jornalistas, eles e elas, cronistas, repórteres e editores num fim de tarde saudável tipo as tertúlias há muito deslembradas. Entremeando as pequenas pitadas de álcool delicadas doses de veneno, coisa de família bem constituída; alguém falando sobre o salário eternamente mixo outro sobre o Sindicato de classe permanentemente ausente, alguém mais antigo respirando aliviado a temporada de maré mansa, a categoria distante dos cassetetes e das patas dos cavalos que estupraram companheiros nos anos 30 e 50 - muito embora as patadas, as torturas e os confiscos continuem ocorrendo, se em planos mais sutis de violentação, em níveis mais profundos.

Como estou fisicamente ausente dos titi da redação graças às mordomias disponibilizadas pelo avanço da tecnologia (quem diria a quem viveu dependendo da caixa de tipos e da ajuda do componedor e que a chegada da linotipo foi a grande revolução técnica do sistema), depois de meio litro de meladinha questionei o editor de cultura de um dos nossos diários, presente ao convescote etílico/cultural sobre a qualidade da informação que vinha sendo prestada aos seus leitores ao longo das semanas e dos meses do ano e ele, em cima da bucha, espirrando perdigoto sobre os presentes, olhos baços fuzilando chispas de ódio em minha direção retrucou rudemente:

— Noticiar o quê, matusalém se a produção cultural local está uma bosta?

Ao que retruquei: “ — Sabe que essa maré de fezes que o coleguinha alega sobre ela estar boiando, quando fui editor de cultura seria motivo de discussão pública?”

E acrescentei: “— Li recentemente num suplemento de fofoca “social” que uma das criaturas culturalmente mais nobres de nossa comunidade, ex muitas funções na vida pública maranhense, de secretário de Estado (de passagem um dos mais corretos, inteligentes e produtivos) a presidente de instituições financeiras está se desfazendo, com lágrimas nos olhos e violenta taquicardia do seu precioso acervo de artes plásticas – com risco de algum niponicozinho caga-ralo entulhado de ienes carregar todo esse belo tesouro para alguma aldeia à beira do Pacífico. Será que não seria um motivo razoável para uma boa discussão sobre o nosso acervo artístico? A hora de sairmos perguntando quem conhece Zaque Pedro (o coleguinha sabe quem é?), Pedro Paiva Filho, Floriano Teixeira, Cadmo Silva, Ambrósio Amorim, J. Figueiredo, Ivana, Dila ou mesmo os mais recentes que sufocados estão fugindo para sítios economicamente mais saudáveis?

Será que a população de São Luís sabe razão pela qual aquela armação de concreto na Rua do Egito, onde funcionou o Banco do Estado do Maranhão, tenha se juntado ao acervo de ruínas que degradam a paisagem urbana de nossa capital?

— Tudo isso, meu príncipe da redação, no velho entender deste triste rábula pode se transformar em matéria de capa.

E inticado para o fuxico fui adiante não antes de brindar um belo par de nádegas mulata que malinando com nossa libido passou bamboleante rente à nossa mesa: “ — Será, me diz malandro, que a festa dos 400 anos de nosso registro civil vá ficar restrito apenas ao desfile da “escola” quarto lugar na Marquês de Sapucaí dos cariocas? Vamos esperar por quê para sair lembrando por nossas praças e ladeiras em decúbito dorsal, quem são verdadeiramente os responsáveis pela nossa aura cultural – tu sabes, por acaso, quem é Ribamar Galiza? Conceição Neves Aboud? Victor Gonçalves Neto? Clovis Senna? Macedo Neto? Os Nascimento Moraes? Oliveira Ramos? Franklin de Oliveira? Lago Burnet? Já que as instituições oficiais vão parar na Escola de Samba como bandeira da festa quatrocentona não seria o caso dos Suplementos Culturais de nossa imprensa diária assumirem a tarefa de mostrar ao nosso povo que nosso projeto cultural não se restringe apenas ao Boi, Mina, Crioula, Candomblé e uma linguagem esmerada, mas sobretudo a uma excelente e consistente produção literária? Que a história da cultura maranhense não é feita de ôba-ôba e paetês?

E virando para uma coleguinha da área, já entulhada de cerveja, indaguei da marota se ela sabia o significado da expressão vernissage e a quantas ela já tinha comparecido ou se fazia como todos os demais que ficam com seus traseiros confortavelmente sentados na redação esperando pelo release.

É; mudou muito. Tem repórter de bairro fazendo matéria pelo Google. No meu trazontonte da profissão, repórter de polícia estava era na delegacia e não esperando pelo BO na redação.

Mas deixa pra lá. Que cada qual viva seu tempo. E como os grandes sucessos na literatura são coisas do nível do senhor Shaled Hosseini, prefiro ficar relendo Virginia Woolf, Jack Kerouac, Calvino, Eco, Graciliano, Emilio Gadda, Knut Hamsun, Vargas Llosa, os bons policiais e remontando eternamente Nelson Rodrigues, mentalmente.



*Publicado na coluna "Hoje é dia de...Ubiratan Teixeira", do caderno Alternativo (jornal O Estado do Maranhão), edição de hoje: 09/03/2012

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