29 de jan. de 2016

Velhos Carnavais, Velhos Foliões - Roza Santos



Vamos rememorar o carnaval maranhense. Aquele carnaval livre, espontâneo, onde não havia comissões julgadoras, arquibancadas e nem se pagava para assistir ao desfile de bloco de índios, corsos e turmas organizadas. A ordem era brincar, com muita animação e alegria, os três dias de momo.

O carnaval é uma festa popular introduzida no Brasil pelos portugueses. Festa conhecida desde a Idade Média na França, Alemanha, Rússia e Espanha. No Brasil, o precursor do carnaval foi o entrudo, também conhecido na Europa, principalmente Espanha e Portugal. Era um tipo de brincadeira de rua que consistia em jogar  água, pó, farinha e tinta nas pessoas. Devido ao caráter grosseiro, a brincadeira sofreu forte repressão por parte da polícia, das famílias e de grupos mais conservadores da sociedade .Com isso, surgiram imposições que visavam dar mais respeito e organização ao entrudo. E assim o carnaval ganhou pomposidade, brilho e maior participação de todos. Surgiram os corsos, os ranchos e os carros alegóricos com foliões jogando confetes e serpentinas, alegrando a rua e sacudindo a cidade. A musicalidade brasileira se faz presente e surgem as marchas-rancho, as marchas, os sambas e os sambas-de-enredo.

Aqui em São Luís, até a década de 50, o carnaval era bem diferente do de hoje. Seu Augusto Aranha, nascido em 1907, lembra dos bailes de Lino Moreira, o Atenas Maranhense, no sobrado da rua Afonso Pena; do de seu Quirino, no sobrado da rua dos Afogados, onde hoje funciona a Escola Ronald Carvalho; e do Fidalgo da Folia, de Odilo Ribeiro, todos de classe média, chamados bailes de segunda. Naquele tempo, o lança perfume, ou rodó como se chamava em São Luís, não servia para cheirar, mas era usado para iniciar uma paquera.

Os bailes da alta sociedade aconteciam "no Casino Maranhense... Depois surgiu o Lítero e depois o Jaguarema, clubes sociais de São Luís". Seu Augusto recordava, ainda, as Brincadeiras Fidalgas, os Corsos, o Baralho, a Caninha Verde, a Chegança, o Fandango, os Grupos de Urso, os Blocos e Assaltos Carnavalescos. Além dos clubes citados por Seu Augusto, Dona Edna Vasconcelos acrescenta Os Lunáticos, localizado na rua Grande, de esquina com a rua de São João.

Tradicionalmente, o carnaval do passado de São Luís do Maranhão foi essencialmente de rua. O entrudo era uma brincadeira de água colorida, que manchava a roupa, de talco ou maisena, jogados sempre nos olhos. O maranhense tinha sua maneira própria de brincar o carnaval. As brincadeiras de rua eram o corso, cordões de urso, cruz-diabo, fofão, chegança, baralho e casinha da roça.


A grande concentração popular era na Praça Deodoro e nas avenidas Silva Maia e Gomes de Castro. O centro urbano de São Luís era todo decorado com figuras de Reis-Momos, palhaços, odaliscas, pierrôs, colombinas, arlequins e zé-pereiras. Nas horas de maior movimento deixavam de circular os bondes do Anil, Areal (bairro Monte Castelo), Estrada de Ferro, Gonçalves Dias, João Paulo e São Pantaleão. O desfile começava às 4 horas da tarde e terminava às 8 horas da noite. 

Pela praça desfilavam grupos de pessoas fantasiadas, pessoas vestidas de qualquer jeito e até homens nus da cintura para cima, o máximo de nudez permitida. Blocos como Fuzileiros da Fuzarca, da Madre Deus; Cadete do Samba, da Coréia; e Vira-Latas, do Centro da Cidade; turmas como da Mangueira, do João Paulo; e do Quinto, da Madre Deus, eram alguns dos grupos já organizados e fantasiados daquela época.

Havia ainda os blocos que compareciam às festas da sociedade como o É do Casino e o É só pra olhar, ambos só e moças, e Os Sentenciados, É do Barulho, O Oba e Bando da Lua, integrados apenas por rapazes, retratando a separação dos sexos no Carnaval da época.

Brincadeiras Fidalgas
"Era como uma espécie dessas escolas de samba. Tinha enredo bolado sobre a fidalguia. Um rei, uma rainha, uma princesa, um oficial de marinha ou um plebeu se apaixonando pela princesa e não podendo se casar com a princesa. A Caninha Verde também é isso", lembrava seu Augusto.

O Fandango e o Congo
"eram brincadeiras que tinham rei e rainha. Saíam nos três dias de carnaval com música, clarineta, entrava na casa tocando e tinham falas", diz Luís de França.

Corso
Espécie de carro alegórico que desfilava depois das 4 horas da tarde pelas ruas da cidade, os corsos eram carros particulares das famílias tradicionais que desfilavam em automóveis V-8 e Studbaker e Baratinhas Ford, enfeitados de fitas e flores, de capota arriada, levando moças e rapazes jogando confetes, serpentinas e lança-perfumes nas pessoas. O corsos em caminhões eram os populares. Nas barras de proteção da carroceria do caminhão eram colocadas tábuas para ficarem mais altas. O traje era uma blusa com uma saia ramalhuda que cobria toda a barra da carroceria do caminhão, geralmente com um tema que determinava a fantasia. A orquestra era formada por três ou quatro músicos, sempre um ou dois instrumentos de sopro, indispensáveis para chamar a atenção. As moças vinham cantando e batendo pandeirinhos de brinquedo.

Na década de 50, os corsos exibiam grandes animais de madeira e papelão: águias, elefantes, jacarés, cavalos alados, pavão, ursos, figuras do mundo antigo, palácios e fontes com uma criatividade igual à dos carnavalescos da década de 70.

Chegança
Auto dos tempos coloniais, no qual um grupo de pessoas representava personagens de um navio de guerra e simulava seus trabalhos e manobras pelas ruas da cidade. O instrumento era o maracá, que todos tocavam enquanto faziam encruzes de espadas com falas em verso até chegar a hora de matar o
mouro, que representava o almirante. Era uma brincadeira muito aplaudida pelo povo.

Cordão de Urso ou Brincadeira de Urso Folião fantasiado de urso, vestido com um macacão de estopa (tecido grosseiro de cânhamo) esfiapado, de onde sai um rabo comprido. O urso desfilava preso a uma corrente puxada por um domador fantasiado de macaco. O domador, com um chicote na mão, força o urso a mostrar suas habilidades. O urso pára e dança na porta das casas, enquanto o macaco recolhia as gorjetas numa lata de goiabada vazia. A dupla era acompanhada de uma charanga de apitos e batidos de lata.

Baralho
Brincadeira formada por grupos de negros que percorriam as ruas da cidade cantando músicas com letras picantes de duplo sentido, tocando castanhola, sanfona, pandeiros, reco-reco, tambores e remexendo as cadeiras (quadris) em danças lascivas que escandalizavam a sociedade da época. Isso gerou termos depreciativos como "negras do baralho", "polvilho do baralho" com a intenção de rejeitar as pessoas que brincavam o Baralho, por ser uma brincadeira contagiante e alegre que atraia muita gente por onde passava. Seu Augusto Aranha lembrava que "tinha o Baralho da Madre Deus, Baralho da Praia do Caju, hoje Beira-Mar, o Baralho da Praia do Desterro. Eram os três célebres. 

Todos se reuniam na hora do almoço nos lugares e saiam 2 horas da tarde. Era muita gente, muito pior que essa banda que sai aí todo sábado" (ele se referia à extinta Banda do Baixo Leblon que saia da Beira-Mar e animou os pré-carnavais de rua até o início da década de 90). O traje? " eles se trajavam à vontade. Era aquelas saias grandes, as mulheres, e os rapazes de calça, chapéu de palha, cara pintada, tudo cheio de pó. Antes tinha cabacinha. Eles compravam bexiga de boi, esticavam bem e fabricavam a cabacinha com água e tinta colorida...atirava aquilo que espocava e sujava a roupa do camarada todinha"

Cruz-Diabo
Figura de um diabo espantoso, com máscara de chifre, usando camisolão vermelho e preto com mangas compridas e gola larga, tendo no peito uma cruz. Depois o camisolão foi substituído por roupa de meia toda vermelha, bem coladinha, com máscara do diabo empunhando um lança tridente, diz seu Augusto. Quando parado numa esquina, quem o via se benzia e dizia: "cruz diabo". A cada mudança de lugar e voltando a se encontrar com a figura, a pessoa jogava uma pilhéria e exclamava "cruz diabo". De onde se conclui que o nome Cruz-Diabo se originou da exclamação "cruz credo, diabo".

Fofão
Fantasia que só existe no carnaval maranhense. Alguns dizem que tem origem no bufão medieval que tem a mesma tradição do bobo da corte, cuja função essencial era a de fazer rir. Outros afirmam que o fofão descende do Polichinelo da Comédia Del Arte italiana. Embora exista em vários estados do Brasil, só no Maranhão é conhecido pelo nome de fofão. A fantasia consiste em um largo macacão de chita ou de seda com guizos nas extremidades da gola, das mangas e das pernas e uma horripilante máscara de borracha ou de papel machê com bocarra e calombos na fronte e bochechas e geralmente um nariz enorme insinuando um pênis. Solitário ou em grupo, o fofão, com seu grito: Ulá! Lá ! Lá!, sua boneca, que entrega às pessoas para que lhe restitua junto com algum dinheiro, e sua varinha, para espantar os cachorros, foi a alegria e o terror de muitas crianças nos carnavais maranhenses.

Vira-Latas
Antigo bloco maranhense criado em 1933 por um grupo de cerca de 15 cadetes. Era um bloco composto por rapazes da elite local que freqüentavam os grandes clubes sociais da época: Casino Maranhense e Grêmio Lítero Recreativo Português. Quando começou a fantasia do Vira-Latas era calça e camisa listrada e um chapéu de palha na cabeça, depois passou a ser um fofão preto enfeitado com ases das cartas de baralho. Tanto a vestimenta tipo fofão adotada depois por todos os blocos tradicionais maranhenses, como também os grandes tambores de batucada foram invenções do Vira-Latas.

Assalto Carnavalesco
Era grupo para fazer baile, formado por moças e rapazes da elite ludovicence, todos fantasiados de dominó, arlequim ou, mascarados de fofão, que "assaltava" a casa de determinada pessoa e fazia o baile de carnaval. Essa maneira de brincar esteve presente no carnaval de São Luís até o final da década de 50. O dono da casa era avisado por um linguarudo que seria "assaltado" e então comprava comida e bebida para receber o grupo, que por sua vez levava a orquestra. O grupo chegava, batia na porta e ia entrando e desarrumando a casa para criar espaço para a festa. Desses bailes, a música de época que ficou na memória de seu Augusto Aranha foi "Se eu morrer não quero choro nem vela/ quero uma fita amarela gravada com o nome dela".

Casinha da Roça
Uma das poucas brincadeiras antigas do carnaval maranhense que ainda sobrevive, é a campeã de originalidade, pois representa singularmente a cultura popular do Estado do Maranhão. A Casinha da Roça foi criada em 1946 pelo senhor Emídio França numa oficina de construção de carroceria de caminhão e ônibus localizada na avenida Roma Velha, hoje, avenida Newton Bello, no bairro Monte Castelo. Na época, a Casinha da Roça era um verdadeiro contraste com os outros corsos que exibiam luxuosos cenários iluminados, enquanto o corso da roça era marcado pela simplicidade das palhas, do fogareiro e das quebradeiras de coco. A Casinha da Roça traduz o cotidiano da família interiorana maranhense. Suas principais características são a presença de um tambor de crioula tocando dentro da casa, cozinheiras, quebradeiras de coco, socadoras de pilão e comidas típicas como cuxá, peixe frito, sururu e caranguejo, além de cocos, gaiolas e enxadas. Tudo lembra a vida na roça.

Bailes
À noite, a animação era nos clubes. No Casino Maranhense, que ficava na Rua Grande, onde hoje é a Loja Sabina, era realizado o baile da elite, que contagiava os foliões, com mulheres usando meia máscara e fantasias de luxo. O antigo Cine Éden, hoje loja Marisa, também na Rua Grande, abria suas portas, à tarde, para os bailes da juventude pobre e o SESI, na Rua Grande, onde hoje é a Procuradoria Geral de Justiça, era o clube social para mocinhas pobres, na vesperal. 

Nos clubes populares, onde as máscaras tinham uma peculiaridade específica, a animação era total. Nesses Bailes Populares de Máscaras, as mulheres entravam sós ou em grupo sempre mascaradas e fantasiadas .Eram freqüentados por operárias de fábrica, empregadas domésticas e trabalhadoras em geral de uma camada mais pobre. Marcaram o carnaval bailes populares das décadas de 50 e 60 como o Cantareira (na Rua Grande), o Jacarepaguá (na Rua do Sol), o Cabeção, a Furna do Satã, o Inferno Verde, a Gruta do Satã (perto da velha estação de bonde, no Monte Castelo), o Berimbau, a Cabana de Pai Tomás, o Inferno Verde, o Forró da Rosa, o Vassourinha, o Rasga Sunga, o Rei Pelé (no Ribeirão) e o Bigorrilho, conhecido como o baile para onde iam os figurões da sociedade.

O baile que se tornou mais famoso por sua organização o Baile de Moisés. O clube era decorado desde a entrada com figuras carnavalescas. Ele formava as melhores orquestras porque fazia teste prévio com os músicos. Seu Moisés animava os seus Bailes criando uma série de brincadeiras como coroação da Rainha do Carnaval, Festa do Pierrô, da Colombina, da Chegada do Rei Momo, da Índia Potira etc. Nesses bailes não iam prostitutas. Elas faziam os seus próprios bailes na rua 28 de Julho, no Centro Histórico.

O Baile de Máscara entrou em crise na década de 60, quando o então prefeito de São Luís, Epitácio Cafeteira, resolveu proibir esse costume popular das festas de carnaval. A presença de mulheres em blocos e nas turmas começou com algumas meninas, garotas pequenas de até 15 anos. Só em meados do anos 50 é que se vê a presença de moças como rainha do bloco e meninas como balizas.

O que se chama hoje de escolas eram turmas. Turma da Mangueira, a primeira, no João Paulo ou Mangueira; Turma da Flor do Samba, no Desterro; Fuzileiro da Fuzarca e Turma do Quinto, na Madre Deus. O desfile era misturado, não tinha ala. Era a batucada e na frente a menina, a baliza. A partir de l949 começou a ter uma arrumação, com porta-bandeira e mestre sala, as pequenas na frente. "As baianas é coisa já da década de 60", diz Luís de França.

Os instrumentos usados na bateria da Turma do Quinto eram: o pandeiro, um ou dois, sempre tocados por Cristóvão ou Timóteo; o tambor de marcação, aquele "dois por um", e o pandeirinho pequeno, que era batido com a mão. A cuíca? Não tinha cuíca. Ela foi introduzida como instrumento do bloco em l946 quando Lousa foi ao Rio de Janeiro e trouxe a novidade.

No Rio se brincava o carnaval com o tambor-onça pequeno no batuque do samba. Eles fizeram de uma lata e aí começou a cuíca. O tambor-onça já existia no boi, mas não em bloco. Nesse tempo, o próprio pessoal das Turmas fazia os instrumentos de lata, pintava por fora e esquentava no fogo.

O percurso era ao bel-prazer dos integrantes do bloco. "Saía da sede da Madre Deus, cantando uma música. A gente parava em frente ao cemitério, fazia aquele minuto de silêncio. Era a saudação às pessoas que morriam. Aí saía com outro samba. descia a Rua do Passeio até o Caminho da Boiada, cantando outra música.. na Rua do Passeio, na Rua Grande. O certo é que cantava música de todos compositores. sempre tinha aquelas mais preferidas que às vezes a turma do bloco pedia. A Turma do Quinto era mais ou menos 100 a 200 pessoas até 300, só o pessoal do bairro".

Os bairros que faziam mais brincadeira? Eram a Madre Deus, o Desterro, Caju, o João Paulo. Todos faziam Brincadeiras Fidalgas, Caninha Verde e Chegança. Depois deixaram as brincadeiras fidalgas e vieram os blocos, todos vestidos naquelas fantasias iguais. Ensaiavam só música carioca.

Divulgação das músicas: 

"Nessa época não tinha rádio ainda. Era 30 ou 40". A verdade é que naquela época rádio era artigo de luxo, só para pessoas de classe média alta. Pobre não tinha rádio. A divulgação: "era batucada pelos cantos, à noite, serenata. Um tocava na porta do outro e a notícia corria. - Fulano fez um samba assim!". O canto do Lira era o local em que os homens se reuniam para mostrar um samba novo, sempre acompanhado de uma garrafa de grogue, de cachaça ou tiquira. Entre um canto e um gole de pinga iam passando a música uns aos outros. Memória de Luís de França, um dos fundadores da Turma do Quinto, em l939.

Nada mais enriquecedor do que a memória de nossos velhos vivos ou que já se foram, e que nos deixaram a sua história de vida para que pudéssemos conhecer como foi, no passado, a vida cultural da nossa terra.

Nota: Ao escrever esse artigo tendo como base, entre outras, a memória de Seu Augusto Aranha Medeiros ele ainda estava entre nós. Seu Augusto morreu aos 92 anos em 23 de março de 2000.

Bibliografia Consultada:
SOUSA, Sandra Maria Nascimento. Mulher e Folia: participação das mulheres nos bailes de máscaras do carnaval em São Luís, nos anos l950 a l960. São Luís:
Plano Editorial SECMA/Lithograf, l998.
SECMA/Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: Uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense.
São Luís: Lithograf, 1997. V.2 e V.3.

Fonte:http://www.cmfolclore.ufma.br/arquivos/4abbce9b6d214e578683cf72f03e1325.pdf

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