5 de out. de 2011

A Ciência faz uma revolução (cultural)

Quando a ciência faz uma revolução (cultural)

Não esperemos que os neutrinos aposentem Einstein: se não forem uma mentira, paradoxalmente jogarão uma "luz" nova sobre os seus resultados e talvez mudarão, mais uma vez, o nosso modo de ver o mundo.

A análise é do Piergiorgio Odifreddi, matemático e lógico italiano, aficionado em história da ciência, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 02-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto..

Eis o texto.

O anúncio do CERN da velocidade superluminal dos neutrinos desencadeou discussões acaloradas sobre as possíveis consequências epistemológicas do já famoso experimento. Em particular, repetiu-se até o cansaço que, se o resultado for confirmado, estaremos diante da necessidade de uma "mudança de paradigma": uma expressão que enche a boca e que faz alusão às opiniões filosóficas expressas por Thomas Kuhn há 50 anos, em seu livro A estrutura das revoluções científicas.

Em poucas palavras, a ideia de Kuhn é que uma teoria científica constitui um paradigma, justamente, que estabelece as regras do jogo temporariamente compartilhadas pela comunidade científica.

Essas regras são aceitas até que algo gravemente anômalo, como justamente poderia ser o experimento do CERN, intervenha para colocar em dúvida a visão do mundo proposta pelo paradigma. Se a anomalia não entra novamente na fila, acaba provocando uma revolução que abate o regime antigo e instaura uma nova ordem, na forma de um novo paradigma.

A ideia de Kuhn tornou-se por sua vez um paradigma filosófico, e aos pós-modernos não pareceu ser verdade poder se apropriar dele para propor uma visão relativista da ciência. As verdades científicas, defendem, não seriam nada mais do que "construtos sociais" relativos a um determinado paradigma, bons enquanto este permanece em vigor, mas que devem ser jogados fora e substituídos por outros ao surgir da próxima revolução.

Mas as "revoluções" dizem respeito sobretudo às consequências filosóficas e culturais das grandes descobertas científicas, muito mais do que à ciência em si, que procede, ao contrário, por acumulação. Tomemos, por exemplo, a teoria do movimento de Aristóteles, da qual Kuhn havia partido para construir o seu modelo. Segundo a sua visão, o novo paradigma instaurado por Galileu teria feito uma limpeza dele, e hoje as leis aristotélicas não seriam nada mais do que achados arqueológicos.

Na realidade, Aristóteles e Galileu descreviam simplesmente situações diferentes: o movimento na atmosfera, o primeiro, e no vácuo, o segundo. É óbvio, portanto, que eles encontrassem resultados diferentes. Mas se acrescentarmos o atrito do ar nas fórmulas de Galileu, encontram-se novamente as fórmulas exatas de Aristóteles! Quem estiver interessado pode ver os detalhes no livro de Andrea Frova e de Mariapiera Maranzana, Parola di Galileo.

O outro exemplo canônico de uma suposta mudança de paradigma é aquele ao qual Kuhn dedicou o seu primeiro livro, A Revolução Copernicana. Como não pensar, à primeira vista, que o sistema geocêntrico de Ptolomeu tinha que ser jogado fora, uma vez que Copérnico tinha redescoberto aquele heliocêntrico antecipado por Aristarco? Mas, mais uma vez, os dois cientistas descreviam situações distintas: o movimento dos planetas observados da Terra, o primeiro, e do Sol, o segundo.

E, se quisermos descrever no sistema de Copérnico o movimento dos planetas observado da Terra, obtém-se novamente o sistema ptolomaico. Na verdade, basta ler Copérnico para perceber que ele extraiu justamente seu próprio sistema daquele, descobrindo a sua verdadeira essência: que metade do sistema ptolomaico descrevia simplesmente o movimento dos planetas em torno do Sol, e a outra metade projetava o movimento da Terra em torno do Sol. Mas, certamente, a descoberta de que a Terra (e, portanto, os homem) não estavam mais no centro do universo e a ideia galileana de que "o livro da natureza" estava escrito na língua da matemática tiveram consequências tão radicais para as concepções filosóficas, culturais e até religiosas da época que provocaram, como sabemos, a condenação dessas teorias pela Igreja de Roma. Quem estiver interessado pode ver os detalhes no meu livro Hai vinto Galileo!.

No século XX, o exemplo mais típico de uma suposta mudança de paradigma foi a passagem da mecânica clássica de Newton para a relativista de Einstein, que modificou, se não até revolucionou, a visão tradicional da relação entre o espaço e o tempo. É inútil repetir, a este ponto, que novamente se trata de descrições de situações diferentes: movimentos de velocidade insignificante com relação à velocidade da luz em um caso, e em velocidades comparáveis com ela no outro. E, novamente, as fórmulas de Einstein se reduzem às de Newton, quando isso é levado em conta.

Por outro lado, se não fosse assim, não continuaríamos a ensinar Newton nos departamentos de física engenharia, e ele seria relegado aos de história. Pela mesma razão, continua-se a ensinar Pitágoras e Euclides nos cursos de matemática, mesmo depois de Descartes e de Hilbert. Ou Aristóteles nos cursos de lógica, mesmo depois de Boole.

Portanto, não esperemos que os neutrinos aposentem Einstein: se não forem uma mentira, paradoxalmente jogarão uma "luz" nova sobre os seus resultados e talvez mudarão, mais uma vez, o nosso modo de ver o mundo.

Fonte: www.ihu.unisinos.br

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