que tenhamos um 2018 pleno de coisas!!!
Não-coisa – Ferreira Gullar
O que o poeta quer
dizer
no discurso não
cabe
e se o diz é pra
saber
o que ainda não
sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que
relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu
perfume?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é
coisa
e que não tem
sentido?
A linguagem dispõe
de conceitos, de
nomes
mas o gosto da
fruta
só o sabes se a
comes
só o sabes no corpo
o sabor que
assimilas
e que na boca é
festa
de saliva e papilas
invadindo-te
inteiro
tal do mar o
marulho
e que a fala
submerge
e reduz a um
barulho,
um tumulto de vozes
de gozos, de
espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os
orgasmos
No entanto, o poeta
desafia o
impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala,
ousa
incutir na
linguagem
densidade de coisa
sem permitir,
porém,
que perca a transparência
já que a coisa ë
fechada
à humana
consciência.
O que o poeta faz
mais do que
mencioná-la
é torná-la
aparência
pura — e
iluminá-la.
Toda coisa tem
peso:
uma noite em seu
centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada
dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa
voz
que não quer se
apagar
— essa voz somos
nós.
Poema extraído dos
“Cadernos de Literatura Brasileira”, editados pelo Instituto Moreira Salles —
São Paulo, nº 6, setembro de 1998, pág. 77. /Fonte:http://www.releituras.com/fgullar_naocoisa.asp
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