Mais uma crise no carnaval: filme repetido com heróis e vilões de sempre,
mas com cores novas.
mas com cores novas.
Prof. Dr. Eugênio Araújo/UFMA
Ao contrário do que diz, às vezes olhar um filme repetido pode ser
muito edificante. Primeiro porque quem viu o filme já não é a mesma pessoa
(todos mudam com o tempo) e segundo porque o filme também pode não
ser o mesmo, com cenas adicionadas ou cortadas, informações novas sobre
seus realizadores, etc. É esse o caso da atual crise no carnaval de São Luís, o
argumento pode ser o mesmo, mas mudam o enredo e os personagens, o que
torna tudo diferente. Senão, vejamos:
Pela primeira vez, a questão assume um viés religioso preponderante
e mesmo que queira negar e fugir disso, o prefeito Edvaldo Holanda,
dificilmente escapará dessa armadilha ideológica, pois como todos sabem,
o atual mandatário do executivo municipal professa a religião evangélica,
cujos preceitos renegam a festa carnavalesca e recomendam a abstenção e
o retiro espiritual. O carnaval como “festa da carne” e “festa mundana” nunca
será prioridade para um governo protestante e se calhar de haver desculpas
admissíveis para contorná-lo, tanto melhor. Agora são os rombos econômicos
deixados pelo governo passado que servem de pá de cal para o carnaval.
No deturpado modelo de democracia brasileiro, rombos econômicos
recebidos de uma gestão de governo para outras são comuns. Quando o novo
governante é do mesmo partido, tais rombos são disfarçados e remendados,
sem escândalos. Mas quando o novo governante é da oposição, assiste-se
o que se vê agora em São Luís, essa enchente de denúncias, descobertas
de desmandos, enfim anuncia-se o caos, mas sem lembrar a população de
que ele (o novo governante) lutou e brigou para assumir este posto caótico,
prometendo consertar tudo. Edivaldo Holanda tem uma desculpa palpável
para inoperância de pelo menos dois anos de governo. “- Estamos pagando
as dividas do governo anterior!” – ele dirá. É um filme já visto. Mas o carnaval
não tem nada a ver com isso. Aliás, o carnaval é a festa das dívidas. Junto com
o Natal ele leva o cidadão a gastar o que tem e o que não tem. Neste ponto,
religião e mundanidade se irmanam: o cidadão precisa de dinheiro pra brincar o
Natal e o Carnaval. E se não tem, abrem-se os créditos, compra-se fiado. Entre
dezembro e fevereiro todo mundo se endivida. Pois se o cidadão consegue
fazer isso, como o município, enquanto poder constituído, não consegue? Não
há dinheiro, pede-se emprestado, endivida-se. Depois pense em como pagar.
Mas aí vem o outro rosário de queixas: a população está morrendo
nos hospitais, o racionamento de água, a violência, as escolas estão
abandonadas... Ora, isso tudo sempre aconteceu e vai continuar acontecendo,
enquanto o Brasil não operar reformas políticas e administrativas mais
profundas. A culpa não é do carnaval. Deixar de realizar a festa por conta
de deficiências de outras pastas não é uma desculpa cabível. E depois, vale
lembrar que o conceito de “saúde” ampliou-se muito nos últimos anos. Fala-
se não só em saúde física e individual, mas em saúde coletiva espiritual, em
saúde preventiva, em saúde cultural. O carnaval é uma festa que ajuda a
afirmar a saúde psíquica do nosso povo. Brincar o carnaval melhora o astral!
Mas vem sempre a queixa da má aplicação do dinheiro público,
de desvio de verbas pelas agremiações, etc. Mas neste ponto os nossos
populares apenas seguem o exemplo das nossas elites política e econômica.
A corrupção é um mal endêmico da democracia brasileira, e exigir 100%
de honestidade de sambistas e carnavalescos é cortar apenas a ponta do
icberg. Se o governo quer saber como se aplica o dinheiro, que fiscalize de
forma eficiente. Cortar a subvenção pura e simplesmente não vai resolver o
problema, mas vai gerar sim, alto grau de insatisfação com o novo governo
municipal.
O prefeito corre o risco de ver sua popularidade cair vertiginosamente
logo no início do mandato. Já corre na boca pequena que “o prefeito crente não
gosta de carnaval!”. E pior, vê-se comparado com Castelo (seu predecessor)
num ponto em que realmente sua atuação foi inquestionável: concordamos
que a pasta da cultura no governo Castelo podia ter feito muito mais, porém
em se tratando de carnaval do município, São Luís viveu nos últimos 4 anos as
melhores festas dos últimos 20 anos.
Primeiro, a infra-estrutura da passarela para os desfiles foi a melhor que
a cidade já viu, moderna, bem iluminada, urbanizada, um tratamento antes só
dispensado às micaretas. Segundo, a Comissão de Carnaval conseguiu um
feito: disciplinar os desfiles de blocos e escolas de samba, seguindo horários
pré-determinados, penalizando atrasos e evitando transtornos. Sob o governo
Castelo, São Luís viu alguns dos desfiles mais bem organizados dos últimos
anos e de nível sensivelmente melhor. Terceiro: a certeza de que a cidade
teria um palco de apresentações digno levou as agremiações a investirem
mais em seus desfiles, pois sua participação no evento era garantida desde
novembro, isso ajuda a planejar e melhora o resultado final.
Por tudo isso
e conjuntamente com os investimentos do governo do estado no carnaval
de rua, ocupando o centro histórico da cidade, São Luis viveu nos últimos 4
anos, grandes festas carnavalescas, impressionando nossos turistas mais
freqüentes como piauienses, paraenses, goianos e cearenses. Comparadas
com as capitais destes estados, São Luís faz a melhor festa da região. E digo
isso conhecimento de causa, pois passei os últimos 3 carnavais entre Belém,
Teresina e Fortaleza em processo de pesquisa de pós-doutorado.
O que agora se anuncia em São Luís é um retrocesso em todos os
sentidos. Corre-se o risco de voltar a épocas das incertezas e desorganização.
E mais uma vez as manifestações mais prejudicadas serão as escolas de
samba – que vem sendo histórica e oficialmente desprezadas pelos planos
oficiais de cultura, as eternas “vilãs” do nosso carnaval. Sem uma passarela
digna não pode haver desfile que preste. Blocos Tradicionais e outras
brincadeiras de rua (nossos “heróis”) podem se contentar com as propostas
de apresentações em locais fechados e no centro histórico, mas as escolas
de samba não, elas precisam da infraestrtutura. E mais uma vez eu repito
o que os governantes parecem não considerar: Sambista também vota
e paga imposto, tem direito ao mesmo nível de investimentos de outras
manifestações.
Bem dito, Eugênio!
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