23 de jan. de 2013

Volta às aulas





Professor, seja bem-vindo

No início do ano letivo, estabelecer uma rotina de colaboração e entrosamento é fundamental para adaptar e integrar tanto alunos como professores novos



No início do ano letivo, estabelecer uma rotina de colaboração e entrosamento é fundamental para adaptar e integrar tanto alunos como professores novos. Foto: João Marcos Rose / Agência Nitro
No início do ano letivo, estabelecer uma rotina de colaboração e entrosamento é fundamental para adaptar e integrar tanto alunos como professores novos
A cada ano que se inicia, novos grupos de professores e alunos se formam. Como recepcionar, integrar e aproveitar bem o potencial dessas pessoas? Os especialistas são unânimes: saber que pertencemos a um grupo, de verdade, é fundamental para garantir o comprometimento e o bom resultado do trabalho, tanto dos educadores como dos estudantes. Por isso, os primeiros dias devem ser cuidadosamente preparados pela direção e a coordenação para receber os novos integrantes.

Para muita gente, criar uma dinâmica divertida é a primeira idéia que vem à cabeça. Mas ela não é suficiente para garantir esse bom aproveitamento o ano todo. Não adianta enfeitar a escola se os funcionários não estiverem bem preparados para receber os estudantes, nem propor atividades de grupo sem avaliar anteriormente se alguém pode se constranger por ficar em evidência. O que vale mesmo é planejar situações que promovam o entrosamento e o desenvolvimento permanentes, não apenas no primeiro dia.

Poucas coisas são tão difíceis quanto se sentir um peixe fora d'água. Imagine o que significa o primeiro dia de aula para uma criança que acaba de chegar a uma escola nova e encontra velhos amigos se revendo e matando as saudades - e ela sem saber sequer onde é o banheiro. Para os adultos, a situação é igualmente delicada. Um professor novo encontra uma equipe estabelecida, com rotina própria e procedimentos que ele desconhece. O fato é que geralmente ele tem uma bagagem, uma experiência que precisa ser aproveitada pelo grupo.

O sociólogo suíço Philippe Perrenoud em seu livro A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica, aponta competências básicas que ganham ainda mais relevância no início do ano: saber cooperar e trabalhar em rede, conceber a escola como uma comunidade educativa e aprender a se sentir um membro efetivo da equipe. Se você domina esses conceitos, já tem meio caminho andado para compreender as necessidades desse momento inicial e, assim, certamente vai ajudar a somar, em vez de dividir o grupo. "É na hora da passagem das turmas para o próximo professor que ficam evidentes esses conceitos", completa Marília Costa Dias, coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, em São Paulo. Mais que entregar um relatório sobre o desempenho dos alunos, o ideal é conversar muito com o novo professor, apontando o desenvolvimento de cada criança, onde estão as dificuldades, qual o perfil da turma, quais foram os projetos desenvolvidos em anos anteriores.
Professor novo, nova equipe

Acompanhamento amigo: no colégio Renovação, em São Paulo, o aluno Caio (à esquerda) aprensenta a professora Katia Alcazar para o novato, Leonardo. Foto: Ricardo Benichio
Acompanhamento amigo: no colégio Renovação, em São Paulo, o aluno Caio (à esquerda) aprensenta a professora Katia Alcazar para o novato, Leonardo
"A postura aberta é imprescindível para que os novatos se sintam aceitos pessoal e profissionalmente", diz Raquel Volpato Serbino, professora de Pedagogia da Universidade Estadual Paulista e diretora da GAL Consultoria em Educação, em Botucatu, no interior de São Paulo. O ideal é que todos tenham a oportunidade de se apresentar aos outros e trocar experiências antes mesmo de as aulas começarem. Na EE Professor Magalhães Drummond, localizada num dos bairros mais violentos de Belo Horizonte, a postura aberta da comunidade escolar era pouco para receber os novos membros. "Por causa da fama negativa da escola, muitos professores chegavam com preconceito e medo", conta a coordenadora pedagógica Almerinda Alexandrina Damásio. No caso dos recém-chegados, a coordenadora fica atenta para os conceitos sobre coletividade, prática reflexiva, diversidade e superação dos limites - ou seja, atitudes, hábitos, métodos e posturas. As primeiras semanas do ano letivo são dedicadas a ampliar esses saberes.




Colaboração durante todo o ano letivo

No Colégio Renovação, em São Paulo, a aproximação dos professores novos e antigos se dá durante um café da manhã especial. Quem chega para o primeiro dia de trabalho encontra sobre a mesa, montada no auditório, um envelope com seu nome. Ao abrir, recebe uma mensagem de boas-vindas e uma missão bem simples, como servir outro funcionário. A idéia é transformar o primeiro contato num momento divertido e descontraído.

Durante o ano, a colaboração é sempre incentivada. Algumas reuniões são marcadas para que professores de uma mesma disciplina façam seminários e apresentações sobre os assuntos que dominam para os colegas de outras matérias - uma forma de mantê-los atualizados, melhorando seu desempenho em sala de aula e estimulando a troca de experiências. "Percebi desde o primeiro dia que a escola tratava os professores como uma equipe. E fiquei feliz por saber que estava começando a fazer parte dela", lembra a professora Patrícia Carla Souza, que estreou no Renovação em janeiro de 2006.

Acompanhamento profissional: um café-da-manhã é só o ponto de partida para uma troca de experiências entre professores do Renovação. Foto: Ricardo Benichio
Acompanhamento profissional: um café-da-manhã é só o ponto de partida para uma troca de experiências entre professores do Renovação
Com os alunos, o colégio utiliza o conceito de tutoria. A idéia é promover os primeiros relacionamentos de amizade do novo colega para que ele não se sinta deslocado. O acompanhamento dura, em média, três semanas ou até que o novato se familiarize com os espaços da escola, suas regras e os colegas. Caio Henrique Samora Pecego e Leonardo Thomazzo Matsunaga, ambos de 9 anos, cursaram juntos a 4ª série no ano passado. Caio era veterano, e Leonardo, recém-chegado. Graças a esse projeto, eles se tornaram amigos inseparáveis. "A gente se conheceu na fila, no primeiro dia de aula. Na hora do recreio, o Caio me levou para descobrir tudo, começando pelos melhores lugares, como a piscina e as quadras de esporte. Fiquei menos envergonhado e passei a curtir a mudança", lembra Leonardo.

Para Marília Costa Dias, iniciativas como essa, que colocam os estudantes como protagonistas, são uma ótima solução para uma cena triste e muito comum no início do ano: criança chorando na porta, o pai angustiado insistindo para o filho entrar e o professor aflito. Na Projeto, esse projeto de tutoria existe há quatro anos e Marília nunca mais viu esta situação. Ficou estabelecido que o primeiro dia de aula é para os alunos antigos. Assim eles podem matar as saudades à vontade. No segundo dia, entram os novos - e todas as atenções se voltam para eles.
Abaixo o apelido
Com alunos adolescentes, dinâmicas e recreação não funcionam. Passar uma lista de condutas da escola, por exemplo, é um desastre. O melhor caminho é estabelecer acordos e construir regras em conjunto. Na EMEF Paulo Nogueira Filho, em São Paulo, a primeira delas é não colocar apelidos. A medida é aprovada por Aramis Lopes Neto, membro da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência. "É nos contatos iniciais que surgem os apelidos. E isso deve ser encarado como uma forma de agressão que a escola não pode permitir."

Antes vista como comportamento normal ou "típico da idade", a agressão física ou moral entre os jovens agora é tema de pesquisa e preocupação. Quando feita de forma intencional e repetitiva, essa atitude recebe o nome de bullying. "Orientamos os professores a não colocar apelidos uns nos outros e muito menos rotular turmas, como a sala dos bagunceiros, a dos espertos etc.", observa a diretora, Maria Lucia Carramão. Mesmo com o "contrato verbal" firmado no primeiro dia, a aluna Jaqueline Ferreira da Silva, 16 anos, que cursou a 8ª série no ano passado, enfrentou esse problema. Por causa do sotaque nordestino, ela virou a Baiana. "Eu não gostava porque eles ridicularizavam a origem da minha família", conta.

Os criadores do apelido não foram chamados à diretoria nem suspensos. Em vez disso, a professora de Português Magali Galvão de Almeida levou à sala de aula um texto sobre bullying e leu para a turma. O assunto foi discutido em grupo. "Perguntei a origem da família de cada um, mostrando todas as coisas boas de cada região." Deu certo. Jaqueline concluiu que não se importava mais com a brincadeira. "Depois que deixei claro que passaria a encará-la como um elogio às minhas raízes, o pessoal passou a me chamar de Jaque."

Uma pesquisa realizada em 11 colégios do Rio de Janeiro (nove da rede municipal e dois particulares) revelou que, dos 5,5 mil alunos do Ensino Médio entrevistados, 40% são ou já foram vítimas de bullying, mas não contaram a ninguém por medo ou vergonha. Outros 60% afirmaram que o local de maior incidência do fenômeno é a sala de aula. Depois de um trabalho de conscientização, que durou um ano, foi constatada uma redução de 30% no número de casos nessas escolas.
 

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CONTATO

Colégio Renovação
, R. Kalil Nader Habr, 137, 04154-030, São Paulo, SP, tel. (11) 5073-1455

EE Professor Magalhães Drummond, R. Fernando Alves, 260, 30516-080, Belo Horizonte, MG, tel. (31) 3312-1119

EMEF Paulo Nogueira Filho, R. Brazelisa Alves de Carvalho, 356, 2510- 030, São Paulo, SP, tel. (11) 3857-1892

Escola Projeto Vida, R. Waldemar Martins, 148, 02535- 000, São Paulo, SP, tel. (11) 6236-1425

BIBLIOGRAFIA

A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica, Philippe Perrenoud
, 232 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 42 reais

Bullying e Desrespeito: Como Acabar com Essa Cultura na Escola, Marie-Nathalie Beaudoin e Maureen Taylor, 232 págs., Ed. Artmed, 48 reais
 



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