22 de jan. de 2013

Crise no Carnaval - artigo de Eugênio Araújo




Mais uma crise no carnaval: filme repetido com heróis e vilões de sempre,
mas com cores novas.

Prof. Dr. Eugênio Araújo/UFMA



                 Ao contrário do que diz, às vezes olhar um filme repetido pode ser 
muito edificante. Primeiro porque quem viu o filme já não é a mesma pessoa 
(todos mudam com o tempo) e segundo porque o filme também pode não 
ser o mesmo, com cenas adicionadas ou cortadas, informações novas sobre 
seus realizadores, etc. É esse o caso da atual crise no carnaval de São Luís, o 
argumento pode ser o mesmo, mas mudam o enredo e os personagens, o que 
torna tudo diferente. Senão, vejamos:


          Pela primeira vez, a questão assume um viés religioso preponderante 
e mesmo que queira negar e fugir disso, o prefeito Edvaldo Holanda, 
dificilmente escapará dessa armadilha ideológica, pois como todos sabem, 
o atual mandatário do executivo municipal professa a religião evangélica, 
cujos preceitos renegam a festa carnavalesca e recomendam a abstenção e 
o retiro espiritual. O carnaval como “festa da carne” e “festa mundana” nunca 
será prioridade para um governo protestante e se calhar de haver desculpas 
admissíveis para contorná-lo, tanto melhor. Agora são os rombos econômicos 
deixados pelo governo passado que servem de pá de cal para o carnaval.


           No deturpado modelo de democracia brasileiro, rombos econômicos 
recebidos de uma gestão de governo para outras são comuns. Quando o novo 
governante é do mesmo partido, tais rombos são disfarçados e remendados, 
sem escândalos. Mas quando o novo governante é da oposição, assiste-se 
o que se vê agora em São Luís, essa enchente de denúncias, descobertas 
de desmandos, enfim anuncia-se o caos, mas sem lembrar a população de 
que ele (o novo governante) lutou e brigou para assumir este posto caótico, 
prometendo consertar tudo. Edivaldo Holanda tem uma desculpa palpável 
para inoperância de pelo menos dois anos de governo. “- Estamos pagando 
as dividas do governo anterior!” – ele dirá. É um filme já visto. Mas o carnaval 
não tem nada a ver com isso. Aliás, o carnaval é a festa das dívidas. Junto com 
o Natal ele leva o cidadão a gastar o que tem e o que não tem. Neste ponto, 
religião e mundanidade se irmanam: o cidadão precisa de dinheiro pra brincar o 
Natal e o Carnaval. E se não tem, abrem-se os créditos, compra-se fiado. Entre 
dezembro e fevereiro todo mundo se endivida. Pois se o cidadão consegue 
fazer isso, como o município, enquanto poder constituído, não consegue? Não 
há dinheiro, pede-se emprestado, endivida-se. Depois pense em como pagar.


                Mas aí vem o outro rosário de queixas: a população está morrendo 
nos hospitais, o racionamento de água, a violência, as escolas estão 
abandonadas... Ora, isso tudo sempre aconteceu e vai continuar acontecendo, 
enquanto o Brasil não operar reformas políticas e administrativas mais 
profundas. A culpa não é do carnaval. Deixar de realizar a festa por conta 
de deficiências de outras pastas não é uma desculpa cabível. E depois, vale 
lembrar que o conceito de “saúde” ampliou-se muito nos últimos anos. Fala- 
se não só em saúde física e individual, mas em saúde coletiva espiritual, em 
saúde preventiva, em saúde cultural. O carnaval é uma festa que ajuda a 
afirmar a saúde psíquica do nosso povo. Brincar o carnaval melhora o astral! 
Mas vem sempre a queixa da má aplicação do dinheiro público, 
de desvio de verbas pelas agremiações, etc. Mas neste ponto os nossos 
populares apenas seguem o exemplo das nossas elites política e econômica. 

                           A corrupção é um mal endêmico da democracia brasileira, e exigir 100% 
de honestidade de sambistas e carnavalescos é cortar apenas a ponta do 
icberg. Se o governo quer saber como se aplica o dinheiro, que fiscalize de 
forma eficiente. Cortar a subvenção pura e simplesmente não vai resolver o 
problema, mas vai gerar sim, alto grau de insatisfação com o novo governo 
municipal.


            O prefeito corre o risco de ver sua popularidade cair vertiginosamente 
logo no início do mandato. Já corre na boca pequena que “o prefeito crente não 
gosta de carnaval!”. E pior, vê-se comparado com Castelo (seu predecessor) 
num ponto em que realmente sua atuação foi inquestionável: concordamos 
que a pasta da cultura no governo Castelo podia ter feito muito mais, porém 
em se tratando de carnaval do município, São Luís viveu nos últimos 4 anos as 
melhores festas dos últimos 20 anos. 
Primeiro, a infra-estrutura da passarela para os desfiles foi a melhor que 
a cidade já viu, moderna, bem iluminada, urbanizada, um tratamento antes só 
dispensado às micaretas. Segundo, a Comissão de Carnaval conseguiu um 
feito: disciplinar os desfiles de blocos e escolas de samba, seguindo horários 
pré-determinados, penalizando atrasos e evitando transtornos. Sob o governo 
Castelo, São Luís viu alguns dos desfiles mais bem organizados dos últimos 
anos e de nível sensivelmente melhor. Terceiro: a certeza de que a cidade 
teria um palco de apresentações digno levou as agremiações a investirem 
mais em seus desfiles, pois sua participação no evento era garantida desde 
novembro, isso ajuda a planejar e melhora o resultado final. 

                       Por tudo isso 
e conjuntamente com os investimentos do governo do estado no carnaval 
de rua, ocupando o centro histórico da cidade, São Luis viveu nos últimos 4 
anos, grandes festas carnavalescas, impressionando nossos turistas mais 
freqüentes como piauienses, paraenses, goianos e cearenses. Comparadas 
com as capitais destes estados, São Luís faz a melhor festa da região. E digo 
isso conhecimento de causa, pois passei os últimos 3 carnavais entre Belém, 
Teresina e Fortaleza em processo de pesquisa de pós-doutorado.


                   O que agora se anuncia em São Luís é um retrocesso em todos os 
sentidos. Corre-se o risco de voltar a épocas das incertezas e desorganização. 
E mais uma vez as manifestações mais prejudicadas serão as escolas de 
samba – que vem sendo histórica e oficialmente desprezadas pelos planos 
oficiais de cultura, as eternas “vilãs” do nosso carnaval. Sem uma passarela 
digna não pode haver desfile que preste. Blocos Tradicionais e outras 
brincadeiras de rua (nossos “heróis”) podem se contentar com as propostas 
de apresentações em locais fechados e no centro histórico, mas as escolas 
de samba não, elas precisam da infraestrtutura. E mais uma vez eu repito 
o que os governantes parecem não considerar: Sambista também vota 
e paga imposto, tem direito ao mesmo nível de investimentos de outras 
manifestações.

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