2 de abr. de 2020

Ode aos Calhordas – Rubem Braga


Ode aos Calhordas – Rubem Braga


Os calhordas são casados com damas gordas
Que às vezes se entregam à benemerência:
As damas dos calhordas chamam-se calhôrdas
E cumprem seu dever com muita eficiência

Os filhos dos calhordas vivem muito bem
E fazem tolices que são perdoadas.
Quanto aos calhordas pessoalmente porém
Não fazem tolices — nunca fazem nada.
Quando um calhorda se dirige a mim
Sinto no seu olho certa complacência.
Ele acha que o pobre e o remediado
Devem procurar viver com decência.

Os calhordas às vezes ficam resfriados
E essa notícia logo vem nos jornais:
"O Sr. Calhorda acha-se acamado
E as lamentações da Pátria são gerais."

Os calhordas não morrem — não morrem jamais
Reservam o bronze para futuros bustos
Que outros calhordas da nova geração
Hão de inaugurar em meio de arbustos.

O calhorda diz: "Eu pessoalmente
Acho que as coisas não vão indo bem
Pois há muita gente má e despeitada
Que não está contente com aquilo que tem."

Os calhordas recebem muitos telegramas
E manifestações de alegres escolares
Que por este meio vão se acalhordando
E amanhã serão calhordas exemplares.

Os calhordas sorriem ao Banco e ao Poder
E são recebidos pelas Embaixadas.
Gostam muito de missas de ação de graças
E às sextas-feiras comem peixadas.(1953)
In: BRAGA, Rubem. Livro de versos. Il. Jaguar e Scliar. Pref. Affonso Romano de Sant'Anna. Posfácio Lygia Marina Moraes. Rio de Janeiro: Record, 1993
Fonte:https://www.escritas.org/pt/t/12128/ode-aos-calhordas
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